martins em pauta

domingo, 14 de dezembro de 2014

Prosa do Domingo: Saco.

Domingo, 14 de dezembro de 2014


por François Silvestre

Saco


Não do verbo sacar. De saco mesmo; de estopa, de farinha, de filó, de gatos, de cobras, de bosta, de pancada.

É o que é o Brasil. Um saco de país. A geografia, de tão bela e exuberante, enche a metade da beleza do mundo. Se o mundo for apenas esse miserável e belo Planeta. Mais miserável pelos habitantes do que pela pobreza de brilho ante a claridade do Universo. Aí, o Universo é Deus e o Planeta é Martins.

Não creio em Deus. Ou melhor, não acredito na sua existência, exatamente pelo fato de que se Ele existisse não permitiria minha tola descrença. Ou me convenceria de que eu valeria a pena como objeto da criação. Não me convenceu. Portanto, Ele não existe. E eu só existo porque não existe Deus. O criador consciente, no caso Deus, não pode existir se criou uma cria tão inútil quanto eu.

Capaz de duvidar da sua criação. E dizer: Vai criar mal assim no barro de Adão. Tinha barro melhor não?

E olhe que tá assim de crias ruins piores do que eu. Também pudera, Deus. Você disse à sua imagem e semelhança. Deus me livre. À minha imagem e semelhança nem o espelho eu suporto. Portanto, entretanto mas porém, me desculpe; mas sua imagem tá, pelos seus semelhantes, espelhadamente avacalhada.

A sermos nós a “sua imagem”, só cabe uma conclusão: ou Você errou na repetição da semelhança ou Se borrou na fabricação do espelho.

Deve ter notado que sempre ponho em letra maiúscula tudo que a Você se refere. Seja no nome próprio ou nos pronomes. Isso é resultado do medo que Mãe-Guilé me tatuou no lombo. Não acredito em Você, mas num quero em arriscar. Mãe-Guilé sabia das coisas. E negociava seus pecados com um terço pendurado no pescoço.

“Creia em Deus, que é santo velho, cara ensebada”. Dizia ela. E completava: “o resto é tudo novo, até o cão”.

Mesmo que, tempos depois, eu tenha aprendido pelo filósofo que o perigo do Diabo não é a maldade, mas a velhice. “O Diabo é perigoso porque é velho”.

Mas eu tava falando de saco. Do Planeta pequeno e mal habitado. Do Brasil do tamanho de uma úlcera. O Brasil é uma úlcera aberta ao abrigo de todas as infecções. Com bactérias no comando e medicamentos a alimentá-las.

Quem quer o fim da corrupção no Brasil? Os corruptos não querem. O poder não quer. A oposição ao poder não quer.

O que Deus tem com isso? Tudo. Vocês já viram um corrupto ateu? Vocês já viram uma igreja, mesquita, templo, monastério, sinagoga, que não use o nome de Deus para justificar suas patifarias?

O Brasil não é uma democracia institucional. Não. É um saco cheio de instituições, feito siris na lata. Caranguejos-uçá na corda. Instituição é o que não falta. Falta dignidade institucional.

De que viveria o discurso dos “éticos” sem a corrupção?

O custo da “ética” no Brasil é mais alto do que o custo da corrupção. Mesmo que seja ela a justificadora do discurso “ético”. Sem uma o outro não sobreviveria.

Té mais.

François Silvestre é escritor

* Texto originalmente publicado pelo Novo Jornal.



Fonte: Carlos Santos

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