martins em pauta

domingo, 3 de maio de 2015

Prosa do Domingo: Aos da minha geração. (à memória de Juan Ponce de León)


Domingo, 03 de maio de 2015

 por François Silvestre 

Você não é velho do olhar de dentro,/ do que mantém interno o sentir-se jovem./ Sua velhice é do olhar dos outros,/ dos espelhos que você não quebra./

As murrinhas do corpo são de todos os tempos./ Sarampo, caxumba, bexiga, rubéola, vacina./ Depois; polução, convulsão, broxura, paixão./

Da vez de amadurecer,/ vem junto do duro a dureza./ Rinite, colite, hepatite, trombose, oração./

Do que fora osso duro/ vem torcicolo, reumatismo, comunismo, ganância, militância,/ ressaca e depressão./

Alheios olhos dos detetives da desgraça,/ a oferecer de graça os serviços de informar:/ “você tá ótimo”./

Não creia, você não tá ótimo./ Tá jovem nos seus olhos de dentro./ Esqueça os olhos de fora,/ ignore os espelhos,/ deixe que a espuma acaricie os pelos camaleões ./ Furta-cores./

Encontrei dona Etelvina Gato/ na Praça de Umarizal./ “cabelos negros, dona Etelvina”?/ Ela responde:/ “Pois é; na cabeça, onde só teve atropelo,/ tá tudo preto./ Lá embaixo tá tudo branco, e só foi diversão”./

A vida é assim./ Nem sempre o preto tá no branco ou o branco no preto./ Somos, na vida, os cabelos ou os pentelhos de dona Etelvina./

Que tempos vivemos?/ jovens ou velhos tempos,/ a imitar a repetida velhice./ Ou tempos de repetir a mocidade,/ deixando para o relógio o tiquetaquear das horas./

Minha geração foi tudo, menos velha./ Teve caxumba, catapora, gonorreia e esperança./

Onde anda o código de cada geração,/ de que falou Paulo Francis? A de hoje deve uma promissória ao seu tempo./ E não se entende./ Falta-lhe um código./ Ou a decodificação.

E você é que é velho?/ Exiba suas rugas ante a lisura da pele dos que se negam a enrugar sua mocidade triste./ Será que é preciso a repressão para despertar o entusiasmo?/

Não. Não precisa./ Pague o preço do seu tempo,/ enfrente os demônios,/ pois toda época possui hospedeiros do inferno./

Na Bíblia, há as bestas do apocalipse./ Coisa para luta de heróis./ Não é tarefa pra nós./ Agora, são os jegues do eucalipto./

Na minuta daqui do tempo confuso,/ entre mofumbos e parafusos,/ são três os jegues do monturo./ Velhos, fantasiados de jovens./ Imundos e pousados de limpos./

Assim enumerados,/ sem números, não se conta./ O primeiro é o jegue moralista,/ que rincha./ Do barulho, não deixa a vizinhança da liberdade dormir./

O segundo é o fundamentalista, que escoiceia./ Aos gestos estúpidos da violência,/ confunde coragem com histeria./

O terceiro é o intolerante, que bufa./ Emprestado dos outros,/ nada ouve além do rincho,/ murcha as orelhas, mas falta-lhe o coice./

Vivam todas as idades/Todos os afetos/Todas as saudades!

Té mais.


Na Coluna Plural, do Novo Jornal.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Contato : (84) 9 9151-0643

Contato : (84) 9 9151-0643